quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Espiritualidade nas Empresas

“Uma revolução mais poderosa e penetrante que qualquer outra já experimentada pelo homem, sem ser política, cientifica ou tecnológica, porém muito mais profunda, está acontecendo agora. É a revolução espiritual, que tem amor tanto no seu significado como nos seus fins. Ela vai despertar as fontes de amor por todo o mundo, nos campos da educação, moralidade, ética, leis, política, comercio e ciência”. Sathya Sai Baba

Vivemos no século XXI uma transição inédita na historia das civilizações. A transição para a unidade dos homens, da economia mundial compartilhada e da cidadania planetária. A criação de um macro estado global será conduzida por lideranças que aprendam a servir a vida pela cooperação ao invez de destruir a vida pela arrogância e dominação. Todos nós estamos cientes dos resultados desastrosos promovidos pelo nosso antropocentrismo, egotismo, ganância e separatismo. Atualmente, a maioria das lideranças está a serviço de si mesma, ferindo a ética e desrespeitando a confiança nelas depositada. A partir do século XIX instituímos o paradigma que indicou ser a ciência e o crescimento econômico o único caminho para a harmonia e a felicidade. Agora constatamos perplexos que com isso colhemos violência, desalento, desemprego, degradação ambiental e corrupção dos valores éticos, morais e espirituais. A sociedade industrializada e materialista construída sobre esse modelo demonstra franca decadência, e para que as transformações fundamentais ocorram temos que admitir que estamos diante de um desafio de consciência. Nosso mundo está sem fronteiras externas, e as comunicações instantâneas, a tecnologia, e a velocidade dos transportes e meio de comunicação, encurtaram distancias físicas e culturais, mas não conseguimos compatibilizar nosso universo interior com o exterior. A ciência fez descobertas extraordinárias sobre o DNA humano, animal e vegetal e melhorou a qualidade da saúde com remédios, vacinas e técnicas cirúrgicas extraordinárias. É verdade também que incrementou a produção e o teor nutritivo dos alimentos, também clonou e modificou geneticamente plantas e animais e pretende clonar seres humanos, mas, com tudo isso, ainda se vê impotente diante de doenças malignas, e de novos vírus mutantes, assim como do recrudescimento de doenças endêmicas que todos acreditavam estar erradicadas. Por outro lado, a tecnologia também é responsável pela ameaça bélica do enorme arsenal nuclear das superpotencias econômicas. Nossa ganância e inconsequencia põem em risco a continuidade da espécie humana e da vida no planeta. Seguramente sabemos mais do que nunca sobre nossa fisiologia, e sobre as leis naturais; invadimos a intimidade do átomo e descobrimos zonas inexploradas do cosmo, porém estamos desconectados da nossa verdadeira identidade. Nós apostamos todos os trunfos na ciência e no poder econômico como portadores de harmonia, progresso e felicidade, e perdemos. Separamos objetividade de subjetividade e distanciamos razão de sensibilidade. A inversão de valores e prioridades nos alijou da capacidade de ouvir a voz silenciosa da alma, e as concessões exigidas pela sobrevivência, assim como a busca de ganhos materiais deixaram cicatrizes profundas no nosso coração. Na ânsia de gozar a vida e vencer na vida exigimos tanto de nós, dos outros e do mundo que desaprendemos como conviver, usufruir, contribuir e reverenciar o milagre da vida. Extraímos tanto da vida que a empobrecemos e banalizamos. Fala-se muito em sustentabilidade, porém sem a transformação dos indivíduos, o desenvolvimento sustentável é um discurso vazio. Estamos descobrindo a duras penas que só pode ser considerado progresso verdadeiro aquele que passar pelo filtro do coração humano. Diante dessa crise e de tantos desafios só nos resta ultrapassar resistências e cruzar a fronteira que separa o mundo exterior do nosso mundo interior. Unificar o mundo exterior com o mundo interior é a grande tarefa da modernidade. Todos os seres humanos têm uma meta comum, ser feliz e viver em paz e prosperidade. Se quisermos atingir esse objetivo e ser mestres do próprio destino temos que conhecer a plenitude de nossas potencialidades. Para isso, é preciso compatibilizar o espírito e o mundo, os valores de sobrevivência e os valores de transcendência. Teilhard de Chardin disse certa vez que não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual; porém seres espirituais passando por uma experiência humana; descobrir isso muda o prisma através do qual se enxerga a vida. Para muitos racionalistas o conceito de valores humanos e espirituais como alicerce da construção de uma nova sociedade é fantasia, uma maneira de ignorar o poder corruptor da problemática resultante da inversão de valores éticos e morais que prevalece no mundo todo. A lógica pragmática duvida e argumenta que a falta de caráter e de ética, a promiscuidade e a violência estão arraigadas na cultura dos povos. Porém, o ser humano é capaz de transformações surpreendentes desde que permita que sua alma se expresse e crie beleza. Arnold Toymbee disse certa vez: “A doença da sociedade moderna está tão enraizada que só pode ser curada por uma revolução espiritual no coração e na mente dos seres humanos”. Certamente somente valores espirituais podem provocar transformações estruturais na consciência. “A consciência é Deus” diz o Mandukya Upanishad (escritura sagrada hindu). Os valores humanos universais fundamentam a consciência e definem uma ética diferenciada porque são os princípios que nutrem e definem o caráter. E o caráter é o instrumento do qual a consciência se vale para se expressar. Mesmo aqueles que criticam ou negam a espiritualidade são forçados a admitir que ainda não apareceu nada mais eficiente que os valores espirituais e humanos para ultrapassar enquadramentos e estabelecer novas ordens. A intenção é a alma da vontade e esta corresponde a qualidade da ação, e uma ética que revela a qualidade do caráter nasce do sentimento e não da razão. Sem sentimentos e sem a espiritualidade desenvolvemos uma ética formal, uma etiqueta. Precisamos de lideres servidores, legitimados pela pureza de espírito e de propósitos grandiosos; para tal é preciso compreender a liderança como produto da espiritualidade, ou seja, do sentimento consciente de que somos unos com todas as manifestações de vida. Estamos tão comprometidos com objetivos e metas que nos esquecemos que não vivemos apenas de feitos e fatos, visando lucros muitas vezes vivemos o logro. Desconectados da nossa realidade mais íntima desconhecemos o verdadeiro sentido de estar vivo. Não basta administrar a moeda, os lucros, o mercado, e criar estratégias para estar inserido na globalização e sobreviver aos seus efeitos e imposições. É preciso acreditar num desenvolvimento justo e sustentável a partir do resgate da dignidade humana. Mahatma Gandhi falava que a política deveria se caracterizar por gestos amorosos com e para o povo, e constante atenção e cuidado com a cidadania. Sei que podem argumentar que isso é uma utopia. Porém, utopia não quer dizer lugar nenhum é um convite para entrar num manancial de possibilidades e criar o novo. É a nascente de onde brota a autoconfiança, o poder de concretizar sonhos, e desenvolver a excelência humana. Afinal, Gandhi demonstrou na pratica o poder da fé no ser humano, e no sagrado, sua vida foi exemplo do quanto os valores espirituais universais e permanentes atuam como inspiração transformadora. A sobrevivência é sustentada pela transcendência. A transcendência é inerente a condição humana e se revela na capacidade de criar e transformar sistemas para estabelecer novas realidades. Para muitos a transcendência consiste apenas em um conjunto de códigos religiosos atravéz dos quais nos capacitamos para viver com dignidade. Acredito que a transcendência independe de religiões porque é expressão livre do espírito e força propulsora para a auto-superação de defeitos, hábitos, crenças e atitudes. Nossa capacidade de transcender movimenta a energia amorosa que constrói o olhar de ultrapassagem do ego-personalidade para a busca do encontro e não do confronto, e por isso gera parcerias competentes e férteis. A capacidade de transcender revela a plenitude da nossa humanidade. Transcender é superar limitações auto-impostas e experimentar novas alternativas e estratégias, transformar o estabelecido, e transfigurar padrões de conduta e padrão de crenças.Unificar técnicas e princípios, o que fazer, por que fazer, e para quem fazer, confere uma nova dimensão ao nosso trabalho. A alegria de criar, partilhar e oferecer o melhor de si renova talentos e nos permite construir juntos mais uma curva na espiral da evolução humana. Os valores espirituais eternos quando despertados são inspiradores de mudanças estruturais na consciência. Esses Princípios são: Verdade, Retidão, Amor, Paz e Não-Violência. Neles se enraízam os valores humanos e a formação do caráter. Vivendo valores humanos nossas ações no mundo tornam-se corretas, criativas, competentes e transformadoras porque nos sintonizam com a Ordem Universal e Suas Leis.

A Transculturalidade e a Globalização

Estamos sendo compelidos a encarar nossas fragilidades, nossos desacertos, valores artificiais e falsas necessidades sobre os quais estruturamos nossa visão de mundo. As lideranças empresariais sentem os efeitos dos abalos que seus fundamentos sofrem e se vêm perplexas e sem bússola navegando num mar de incertezas. Muitos métodos operacionais oferecem técnicas e competências novas e, no entanto nada muda; isso porque quem precisa ser tocado e mudado é o ser humano. Senão as competências adquiridas se tornam um fardo e não servem como instrumentos para a expressão criativa e realizadora dos talentos. Programas de treinamento a meu ver devem estimular as pessoas a se autoconhecer, crescer, criar e ousar lidar com os desafios superando erros e apegos aos hábitos adquiridos. É preciso acreditar no quanto a transformação individual pode influenciar e contribuir para a transformação da instituição e da própria sociedade. Os padrões e valores impostos na família e nos negócios estão sendo colocados em cheque mate assim como sistemas políticos e econômicos. Esses modelos e valores já não suprem nossas necessidades nem correspondem às dinâmicas da sociedade compemporânea. O escritor futurista Alvin Tofler disse certa vez “A idade da máquina está cantando os pneus para parar”, e é fácil constatar que a tecnologia não é mais um ícone inquestionável e que no lugar de unificar os povos; a cria abismos entre eles. Hoje é necessário conhecer e partilhar valores, costumes e crenças das diferentes culturas para ter um dialogo adequado com o mundo. Não podemos nos esquecer que nas decisões, quer sejam particulares, quer sejam comercias, as emoções têm peso relevante. As culturas se interpenetram pela comunicação instantânea dentro de uma economia interdependente e conhecer os valores essenciais, e o que é sagrado para cada povo é meio caminho andado para o êxito de uma negociação. Talvez por isso muitos consultores empresariais tenham buscado beber na fonte perene de inspiração que são os livros sagrados de todas as Tradições, o conhecimento revelado. Temos necessidade de soluções e propósitos que ampliem possibilidades e significados, e nos aproxime também pelo coração. O conhecimento revelado é aquele que contem em si mesmo a essência e o esplendor da Verdade, por isso aproxima as diferenças e apara arestas. Uma empresa edificada sobre princípios e valores universais e éticos tem clareza de propósitos, e percepção lúcida das circunstâncias sem perder a humanidade e a reverência pela vida. É importante observar que os valores que regem a empresa moderna estão cada vez mais sutis. A qualidade da comunicação interna e o comprometimento social são determinantes na formação da imagem da empresa e na geração de riquezas. A miniaturização dos aparelhos eletrônicos que estão a cada dia mais leves e ágeis sinaliza uma tecnologia menos densa e uma abertura para valores intangíveis. A inteligência do espírito precisa ser levada em conta porque nela reside a criatividade e a libertação da mente humana da prisão do previsível e determinado, e nunca foi tão necessário recuperar a capacidade de transformar, flexibilizar, ousar e inovar. Conhecimento e informação são bens preciosos, mas o poder maior está no caráter. Sem caráter o conhecimento pode destruir a vida. Informação é poder circunstancial, mas a sabedoria abre novos caminhos e anuncia como agir diante deles. O autoconhecimento é fundamental. Investir em si mesmo entusiasma o coração, acrescenta um novo brilho ao olhar e descortina novas perspectivas. A espiritualidade não é religião, porque é adogmática, não fanatiza nem subestima a razão, na verdade é o que lhe dá lustro e lastro. O despertar da consciência espiritual conduz ao comportamento ético naturalmente. Mas, o que é espiritualidade? É sentir e viver a unidade na diversidade da criação. A espiritualidade é uma dimensão natural do potencial humano não deve ser confundida com religião. As religiões são diferentes maneiras de buscar a espiritualidade; e esta é a meta comum a todas elas. O crescimento espiritual é adquirido pelo desenvolvimento humano que tem na pratica dos valores humanos seu ponto de partida. A universalidade dos valores espirituais pode ser encontrada nas afirmações de santos e sábios de todas as raças e tradições. “Eu e meu Pai somos um” Jesus. Cristianismo. Annul Haqq: Eu sou a Verdade. Islã. So Ham: Eu sou Ele. Hinduismo. Ain Sof: O Sopro Divino em cada um. Judaísmo. Para nos adequar ao momento histórico devemos viver plenamente o poder do agora, mas podemos sempre nos inspirar no eterno e compreender nossa historia e os caminhos indicados pelos forjadores de sabedoria. No Tao Te King de Lao Tzu, no capitulo 76 está escrito: “Os homens nascem suaves e maleáveis; mortos, ficam duros e rígidos. As plantas nascem tenras e flexíveis; mortas ficam secas e quebradiças. Assim, quem for rígido e inflexível é um discípulo da morte. Quem for suave e flexível é um discípulo da vida...”. As organizações empresariais que optam pela flexibilidade criativa e permitem que seus funcionários se libertem da armadura do controle de um sistema de planejamento apoiado em expectativas e normas inflexíveis se revitalizam constantemente. Jesus disse: “Em verdade vos digo: aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele” ( Mc 10,15) . Ao afirmar isso Jesus não nos pede que sejamos infantis ou ingênuos, mas que estejamos desarmados e por inteiro naquilo que fazemos, e permitamos a constante renovação interior e o deslumbramento das crianças diante do novo. As crianças têm o poder da concentração sem esforço, o foco indiviso que conduz a união com o Si mesmo. Daí nasce a participação amorosa, a cooperação efetiva e a qualidade plena. Somente quando interagimos afetivamente, e acreditamos na inteligência do coração podemos ser inspirados, porque a partir daí o intelecto torna-se um servidor do espírito e um agente de transformações. Desse modo, o jugo será leve e a alegria de contribuir e partilhar surge como um estado anunciado pela alma acrescentando um brilho diferenciado ao que pensamos, sentimos e fazemos. É preciso por o amor para trabalhar. Embora não pareça, o amor é pragmático. Uma ação amorosa beneficia muito além dela mesma e mobiliza o coração do beneficiado e do benfeitor provocando por ressonância uma reação em cadeia. A empresa do novo milênio não desconhece o poder revolucionário do amor nem manipula a ética impondo comportamentos como uma fachada vaidosa enquanto a estrutura organizacional permanece emperrada, egocentrada e controladora. A ousadia de inovar mostra como ultrapassar o trágico e entrar no mágico, no sonho, porque toda nova realidade nasce de um sonho e toda a vida de um ato de amor. O amor aproxima, difunde e diversifica-se até permear e preencher tudo e todos. A Bagavad Gita, uma escritura sagrada do hinduismo ensina que o amor é uma energia que tudo permeia, une, sustenta e transforma. Num dos versos desse livro sagrado Krishna fala da importância do líder, diz que um mau líder contamina não somente seu reinado, mas a era em que vive. Penso que é chegada a hora das lideranças da nossa era entrarem no santuário da alma para escolher propósitos e valores que definam as relações do homem consigo mesmo, com o semelhante, o trabalho, o planeta e o divino. Não podemos mais colocar remendos novos em roupa velha, como disse Jesus. É preciso fazer uma outra roupa com tecido novo. Estamos na aurora de uma sociedade mais harmônica e justa, prestes a surgir como Jonas, do ventre escuro e inóspito da baleia, e ser guiada pela luz da consciência. A empresa desempenha um papel estrutural nessas transformações paradigmáticas, o poder governamental por inépcia e descaso abriu lacunas profundas que a agilidade e eficiência empresarial podem suprir. A era da consciência é a era da visão sistêmica interdependente e será nutrida e expandida pela ação consciente e amorosa dos homens em sociedade trabalhando a serviço da vida.

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